André Tecedeiro

- Portugal -

André Tecedeiro is a Portuguese poet, born in 1979. He has a degree in Painting and a master’s in Visual Arts.

His career started in the area of fine arts, to which he dedicated himself, almost exclusively, for fifteen years, during which he held dozens of exhibitions.

In 2014, he published his first book of poetry, Rebento-Ladrão (Tea for One), followed by Deitar a Trazer (Douda Correria, 2016).

In 2017, he started a process of gender reassignment and went back to studying, graduating in Psychology, with a master’s in Work and Organizational Psychology. At that stage, he published O Número de Strahler (Do Lado Esquerdo, 2018) and A Arte da Fuga (Do Lado Esquerdo, 2019).

In 2020, he published A Axila de Egon Schiele (Porto Editora), which contains the previous books, unpublished poems, poems scattered through magazines and anthologies and a conversation with his wife. This book is part of the National Reading Plan.

In 2021, he wrote the play Joyeux Anniversaire for the Teatro Meia Volta, opening the doors to several projects in the area of playwriting.

In 2022, he participated as an actor in the play Orlando, by Cláudia Lucas Chéu, directed by Albano Jerónimo.

His work was the subject of a session of Clube dos Poetas Vivos (Teatro Nacional D. Maria II, 2019) and of a staged reading of the cycle Da Voz Humana (Livraria Ferin, Lisbon, 2019). He has participated in several TV and radio shows and in podcasts.

He was one of the writers invited to the Bogotá International Book Fair – FiilBo 2022, in Colombia.

André Tecedeiro’s poetry is characterized by depuration and the absence of too many words, in “brief, low-flying poems, in which each word is placed on the page with surgical precision (Carvalho, 2021). It has also been interpreted as a reflection on identity matters, marked by the experience of gender reassignment (Martins, 2021), “a manifest about what it is like to live with and within a body, a body that, sometimes, seems strange and in discord with it’s bowels, where much remains hidden under the skin” (Carvalho, 2021).

More about the poet

Poetry

/ (Untitled)

I don’t go around giving
poetry for free.
You never know what tomorrow
may bring.
Não ando por aí a dar
poesia de borla.
Nunca se sabe como vai ser
o dia de amanhã
/ (Untitled)

I’ll arrive, driven by the error,
because the path the error shows us
never rots, nor
do birds peck it.

The path I tread on the error’s heels will stay with me
like little white pebbles in my memory.
Hei-de chegar conduzido pelo erro,
porque o caminho que o erro nos mostra
nunca apodrece nem
os pássaros o debicam.

O caminho que piso atrás do erro ficar-me-á
como pedrinhas brancas na memória.
/ (Untitled)

They decide we’re a boy or a girl
for little reason:
a crevice, an acorn.
Decidem-nos menino ou menina
por muito pouco:
uma fresta, uma bolota.
/ (Untitled)

With a poem I build walls
to define an interior space,
never to close it.
Com um poema ergo paredes
para definir um espaço interior,
nunca para o fechar.
/ (Untitled)

In the past, everything seems still.
But, if, suddenly, I turn around,
I feel something has moved.

Maybe nothing in my memory
is what I think.
No passado, tudo parece parado.
Mas se me volto de repente,
sinto que algo se mexeu.

talvez nada na minha memória
seja o que penso.
/ (Untitled)

(The contemporary cat)

This thing my cat hunts and tears
is a Kermit the frog I got from a
happy meal.

My cat never knew bushes
and never hunted more than still lives
and depictions.
(O gato contemporâneo)

Isto que o meu gato caça e esfarrapa
é um sapo cocas que saiu no
happy meal.

O meu gato não conheceu mato
e nunca caçou mais que naturezas mortas
e representações.
/ (Untitled)

If it’s my life, it’s my
responsibility.

Imagine a god that sleeps
while a river of lava
destroys innocent villages.

I am the god, the volcano and the village
Se é a minha vida, é a minha
responsabilidade.

Imagina um deus que dorme
enquanto um rio de lava
destrói aldeias inocentes.

Eu sou deus, o vulcão e a aldeia.
/ (Untitled)

Poems about the sea settle for
the surface that reflects the sky.

They never say fish
no man will ever eat
die and liquefy in that sea.
Os poemas sobre o mar ficam-se
na superfície que reflete o céu.

Nunca dizem do mar
que nele nasce, morre e se liquefaz o peixe
que homem nenhum chegará a comer.
/ (Untitled)

A poem is the shortest way
that is not a shortcut.
O poema é o caminho mais curto
que não seja um atalho.
/ (Untitled)

I grew up with no return.
Sometimes, I just wish I go back to cleaning my mouth
with my sweater’s sleeves.

The mouth is still there,
so is the sleeve,
but something has separated them forever.
Cresci sem retorno.
Às vezes só queria voltar a limpar a boca
às mangas da camisola.

A boca continua lá,
a manga também,
mas algo as separou para sempre.
/ (Untitled)

The flesh is very strong.
That’s why they say the flesh is weak.
A carne é muito forte,
por isso se diz que a carne é fraca.
/ (Untitled)

I do and undo.

Sometimes I do with the right and undo with the left.
Then, I change hands
and skillfully destroy what took more effort to build.

In the end, I hope,
something will remain.
Faço e desfaço.

Por vezes faço com a direita e destruo com a esquerda
Depois troco de mãos
E destruo habilmente o que me deu mais trabalho a construir.

No fim, espero,
Há-de sobrar qualquer coisa.
/ (Untitled)

Each minute of the almost
is harder than the previous hour.

Each second of the almost
is harder than the previous minute.

It is the almost that teaches us to see

the infinitely small,
that colossal desperation.
Cada minuto do quase
custa mais que a hora anterior.

Cada segundo do quase
custa mais que o minuto anterior.

É o quase que nos ensina a ver

o infinitamente pequeno
esse colossal desespero.
A MAN IN SKIRTS / UM HOMEM DE SAIAS

Men growl as he passes,
they fear the man in skirts will devour them.

But he passes, moves forward, knowing very well
he gathers poles inside a sphere
and kindles possibilities under the skirt.

He has a beard and the sturdiness of a tree.
The skirt befits him as it befits Jupiter.

As he passes, he weaves harmonies and discords,
he declares strength with the softness of a fabric.
Homens rosnam à sua passagem,
temem que o homem de saias os devore.

mas ele passa, ele avança, sabendo bem
que reúne polos no interior de uma esfera
e que acende possibilidades debaixo da saia.

Tem barbas e a robustez de uma árvore.
A saia cai-lhe bem como a Júpiter.

Ao passar, tece harmonias com dissonâncias,
declara força com a brandura de um tecido.
/ (Untitled)

The love for the infimum has never let me down.
You measure your life by the children that will stay
and I tell you nothing stays
— not even eternity.
And even the “till death do us apart”
is not guaranteed, because death is something
that keeps happening to us
several times a day.
O amor pelo ínfimo nunca me deixou ficar mal.
Medes a vida pelos filhos que hão-de ficar
E eu digo-te que nada fica
— nem a eternidade.
E mesmo o até que a morte nos separe
não está garantido,
porque a morte é uma coisa
que nos vai acontecendo
várias vezes ao dia.
/ (Untitled)

I don’t even wear a watch.
There are so many ways to count the time:
a cigarette lasts five
minutes,
a night of sleep eight
hours,
one love one
love,
one life one
life.
Nem uso relógio.
Há tanta forma de contar o tempo:
Um cigarro dura cinco
minutos
uma noite de sono oito
horas
Um amor um
amor,
Uma vida uma
vida.
/ (Untitled)

On the bus
passengers analyze
each one’s apparent health
to ascertain their right
to a seat.
Looking at oneself is cumbersome,
no one is willing to do it.
That is why
we roam the world
undressing others.
I chose to undress myself
before others undress me.
I walk naked over the crowd.
No autocarro
os passageiros analisam
a saúde aparente de cada um
para ajuizar o seu direito
a um lugar sentado.
Olhar para si mesmo é pesado,
ninguém se presta a isso,
por isso
se percorre o mundo
despindo o outro.
Escolhi despir-me
antes que me dispam
caminho nu sobre a multidão
/ (Untitled)

Lying over the hot wood
of the deck I see,
from the corner of my eye:
the sailor
approaches the
gunwale and pisses
into the open sea
and it’s a [Oh!]
that encounter
of all the waters,
the intimacy of the ocean,
the return to the whole,
the complete circle.
I feel envious.
I don’t know
if I envy the man,
if I envy the sea.
Deitada sobre a madeira quente
do convés vejo,
pelo canto do olho,
o marinheiro
aproxima-se da
amura e mija
para o mar alto
e é um [Oh!]
aquele encontro
de todas as águas,
a intimidade com o oceano,
o regresso ao todo,
o círculo completo.
Sinto inveja.
Não sei
se invejo o homem
se invejo o mar.
/ (Untitled)

Leaving the coffee shop, I find on the ground
a little green bottle.
It was a nice little bottle,
I thought,
to put a flower in.
While I washed it to take
the smell and the label off,
I thought of a an
who used to han around
the Avenidas Novas. [1]
Sometimes, he ate only gravy and bread
and always had a flower
in front of him,
inside a dirty bottle.
One day, I handed him
a piece of fruit for desert
and, smiling,
he invited me to also eat
from that dish
with a catastrophic look.

I remember thinking
there are things you only swallow
very hungry and with a flower in front of you.
But he was a still young homeless guy.
One of these days, he won’t even need the flower.

[1] New Avenues, a part of Lisbon, built from the late 19th century on.
Saída do café encontro no chão
uma garrafinha verde.
Era uma bela garrafinha,
pensei,
para colocar uma flor.
Enquanto a lavava para tirar
o cheiro e o rótulo
lembrei-me de um homem
que pousava ali para os lados
das Avenidas Novas.
Comia às vezes só molho e pão
e tinha sempre à frente
uma flor
dentro de uma garrafa suja.
Um dia estendi-lhe
uma peça de fruta à sobremesa
e ele sorridente,
convidou-me a comer também
daquele prato
de aspecto catástrofe.

Lembro-me de ter pensado que
há coisas que só se engolem
com muita fome e uma flor à frente.
Mas ele era um sem-abrigo ainda jovem
qualquer dia já nem vai precisar da flor.
/ (Untitled)

He asked me:
In what measure did that
mark you?
I ask him:
How do you measure a root?
Ele perguntou-me:
em que medida é que isso te
marcou?
Eu pergunto-lhe:
Como se mede uma raiz?
/ (Untitled)

Childhood is a prehistoric root.
If writing was invented during early childhood,
there would be words to express the thick darkness.
This way, there are not.
We must prospect and grope,
there are forever incomplete puzzles to be said.
A infância é uma raiz pré-histórica.
Fosse inventada a escrita na primeira infância
e haveria palavras que exprimissem a densa escuridão
assim não.
Há que garimpar e tatear,
há puzzles sempre incompletos para dizer.
/ (Untitled)

I used an armor
that betrayed me twice:
it was insufficient to soften the blow,
it was efficient hiding the wound.
Eu usava uma armadura
Que me traiu duas vezes:
foi insuficiente para defender o golpe
foi eficaz a esconder a ferida
/ (Untitled)

To lean with my lemon tree how to conciliate
at the same time,
in the same branch,
flowers budding
and ripe lemons.
Aprender com o meu limoeiro a conciliar
no mesmo tempo
e no mesmo ramo
flores brotando
e limões maduros.
/ (Untitled)

By the looks of it,
the poison grandpa left on the firewood
didn’t kill the rat.
Grandma says the beast
made a nest out of those blue pellets,
where it had twelve cubs.
She speaks with awe and indignation
and I listen with awe and amazement.
Maybe because I can be so many things,
I can even wear
a rat’s skin.
Ao que parece
o veneno que o avô deixou na lenha
não matou a ratazana.
Conta a minha avó que o bicho
fez daquele granulado azul um ninho
onde teve doze filhotes.
Fala com espanto e indignação
E eu ouço com espanto e maravilha.
Talvez por conseguir ser tantas coisas,
posso até vestir
a pele da ratazana.
/ (Untitled)

The root of any grapevine descends at will
to a depth of a two-story building.
However, above ground, it makes you feel sorry:
weak vine shoots, arthrosis
leaning on what surrounds them
like twisted fingers on canes.
But what we don’t see,
what we don’t see is that vertical
root
penetrating the soil like a thunderbolt
and drinking the deepest waters.
A raiz de qualquer videira desce à vontade
à profundidade de um prédio de dois andares.
No entanto, terra acima até dá pena:
sarmentos débeis, artroses
apoiando-se ao que os cerca
Como dedos retorcidos em bengalas.
Mas o que não vemos
o que não vemos é essa raiz
vertical
penetrando a terra como um raio
e bebendo das águas mais profundas.
/ (Untitled)

My son showing me
the scar of the bread.
My son asking me
if I can
think about two things at the same time.
O meu filho a mostrar-me
a cicatriz do pão.
O meu filho a perguntar
se consigo
pensar em duas coisas ao mesmo tempo.
/ (Untitled)

I point at the ragged napkin
and the cat looks at my finger,
not understanding my finger is an arrow.
Eu aponto para o guardanapo esfarrapado
e o gato olha para o meu dedo
sem entender que o meu dedo é uma seta.
/ (Untitled)

I slide my finger over the scar
to listen
slowly.
It’s in the scar that the skin is wisest.
Deslizo o dedo pela cicatriz
para a ouvir
lentamente.
É na cicatriz que a pele é mais sábia.
/ (Untitled)

In middle age, the nights are different.
Cinemas have closed,
cinemas have opened.
It’s strange how I kept acquiring the shape
of an arrow that trespasses time.
I’m now at this age when we are stuck
between a younger generation and
an older one
and we don’t differ that much
from one or the other.
One day, I have ideals for lunch;
another, my back hurts.
But, above all, there’s a good seasoning,
a delicious flavor in everything,
at this age when we live mostly
off the choices we’ve made.
Na meia idade as noites são outras.
Cinemas fecharam,
cinemas abriram.
É estranho como fui ganhando a forma
de uma seta que trespassa o tempo.
Estou desta idade em que nos entalamos
entre uma geração mais nova e
outra mais velha que nós
e não nos distinguimos assim tanto
nem de uma nem de outra.
Num dia almoço ideais,
noutro, doem-me as costas.
Mas acima de tudo há um bom tempero,
um delicioso sabor em tudo,
nesta idade em que vivemos sobretudo
das escolhas que fizemos.
/ (Untitled)

On the worst days, I don’t ask god,
I ask David Attenborough
to make sense of all this
and to narrate the pain as if it was just
part of my species’ odyssey.
On the worst days, it is a balm
to remember I’m an animal.
Nos piores dias não peço a deus,
peço a David Attenborough
que dê um sentido a tudo isto
e narre a dor como se fosse apenas
parte da odisseia da minha espécie.
Nos piores dias é um bálsamo
lembrar-me animal.
/ (Untitled)

All the great luck I had
was to have jumped to the back
of my misfortune.
A merciless gale was blowing,
with kindled nostrils and a giant’s breath
when I threw my mouth and hands to the mane
and crawled through the loin,
where kicks and bites couldn’t
reach me.
I stepped up, half blind.
I know it could have gone wrong.
But the fact is, this time, I jumped,
I didn’t dodge it like before.
I didn’t curl up inside a shell,
I didn’t play dead, to know
if my parents wept for me.
I jumped without thinking about the animal’s weight.
All my great luck was being alive
and having built up a great scream
like fuel for a jump.
But, before that, I rubbed my hands on the ground.
I wouldn’t have made it if they weren’t empty.
Toda a grande sorte que tive
foi ter saltado para os costados
do meu azar.
Ele corria um vendaval sem dó,
de narina acesa e bafo de gigante
Quando me lancei de boca e mãos à crina
e me alagartei pelo lombo,
Onde patadas e mordidas não me
podiam alcançar.
Cheguei-me à frente, meio cego.
Sei que podia ter corrido mal.
Mas o certo é que desta vez saltei,
não o fintei como dantes.
Não me enrosquei em casquinha,
Não me fingi de morto, para saber
se os meus pais me choravam.
Saltei sem pensar no peso do animal.
Toda a minha grande sorte foi estar vivo
e ter construído um grande grito
como combustível para um salto.
Mas antes disso, esfreguei as mãos na terra.
Não teria conseguido se não estivessem vazias.

André Tecedeiro

- Portugal -

Poetry

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

A MAN IN SKIRTS / UM HOMEM DE SAIAS

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)

/ (Untitled)